Eu tinha uma consulta marcada com uma dermatologista logo no primeiro dia útil do mês de junho. Não demorou muito, enquanto ela avaliava minha situação, para ser enfática:
-Você é estressado ou ansioso?
-Os dois. respondi.
E era isso a razão do problema. Depois disso, minha consulta de uma hora, que me custou 250 reais, virou uma sessão de terapia.
-Você namora?
-Não.
-Já namorou?
-Não.
Acredito que essas duas perguntas, combinadas com as minhas respostas, foram o suficiente. Ela me olhou, e com a maior calma e tranquilidade disse que eu deveria viver por mim e não em função de agradar outras pessoas. Uma pancada.
-Quem sabe até mesmo namorar alguém do mesmo sexo?
(simbólico ela falar isso no mês do orgulho)
Fiquei sem reação. Se eu pudesse queria uma gravação do meu próprio rosto enquanto as palavras delas eram pronunciadas. Naquela hora, me senti transparente.
Apesar de eu me achar muito bem resolvido com a minha sexualidade, é muito diferente quando alguém lê você de uma forma tão eficaz em poucos minutos de consulta. As perguntas que se sucederam não foram tão diferentes, cada uma tão certeira quanto a anterior. Ali, eu percebi que boa parte dos meus hobbies diários foram drasticamente reduzidos na minha rotina neste ano.
Perto do final da nossa conversa, ela perguntou se eu queria um número de uma psicóloga. Aceitei na mesma hora.
O tempo passou e essa conversa não saiu da minha mente.
Eu preciso viver, e não apenas estar vivo.
Mas o que posso oferecer é uma lista do que eu fiz para viver, ou melhor, para me manter vivo, me manter bem. Não foi muita coisa, nem tive muitas aventuras, mas vou compartilhar com vocês.
#1 O livro “Uma Vida Pequena”
É meio ingênuo e idiota eu citar esse livro nessa lista. Definitivamente ele não me ajudou a viver. Eu comprei esse livro em fevereiro, e comecei a ler em março, em Junho, eu ainda não o havia terminado.
Deve ter me feito mais mal do que bem, ainda que tenha havido grandes identificações com o personagem principal, Jude.
No livro, acompanhamos um pouco da vida de quarto jovens muito próximos: JB, Malcom, Wiliem e Jude. O Jude é um menino que sofreu muito durante a sua infância, diversos traumas, e o foco do livro é nele.
Tive ótimos momentos lendo o livro, mas acho que o maior o problema foi o momento em que li. Não estive em um bom momento para ler tudo o que o Jude passou. Entender tão bem o que ele tava sentindo me fez ligar um sinal de alerta.
É um livro difícil, que não sei se recomendo. Não amei, não odiei, é complexo, que nem a vida.
#2 O Sistema Brasileiro de Televisão (SBT)
Tanto quanto gosto de ler, gosto de televisão. Eu poderia citar qualquer emissora, como a Globo (que eu também amo), mas tem certas coisas que só acontecem no SBT. Coisas que só me arrancam um sorriso por ser o SBT fazendo. É uma grade nova com diversos programas antigos, é novela que passa na emissora por apenas cinco dias, é jornal popular que ia estrear e desistem, é apresentador que dura um dia no programa, é um caos completo.
Temos uma mudança na grade de programação por segundo (lógico que é exagero, mas te garanto que são mais mudanças do que uma emissora normal faria), não sei como ainda fico surpreso. Apesar disso, só vou dormir no domingo após ver o Show do Milhão com a Patrícia. Mesmo com sono no dia seguinte, nunca me arrependi.
#3 Gregg Araki
Graças a coleção da Mubi, eu descobri o diretor Gregg Araki e assisti ao filme “Totally F***ed Up”. O filme foi lançado em 1993, mas continua tão atual quanto se tivesse sido lançado ontem.
Acho que esse filme consegue capitar toda energia da geração z hoje. Acho que ele capita de uma forma única do que é ser LGBTQIAPN+. Por mais que os anos 90 estejam meio que voltando nas atitudes dos jovens hoje, esse filme aqui mostra que ou a gente não evoluiu muito como sociedade, ou ser jovem continua sendo uma experiência parecida para todo mundo, ainda mais quando falamos de pessoas queer.
Sempre que assisto um filme assim, algo em mim muda. Algo em mim sente que deveria ter visto antes, que talvez, se eu fosse um tantinho mais novo e tivesse visto, algo em mim pudesse ser mudado antes.
O filme tem a sensação de vazio, de perda, de não saber o que fazer no futuro, de rede de apoio dos amigos, mas também tem homofobia, pais homofóbicos… Mesmo sendo de 1993 “Totally F***ed Up”segue atual.
#4 Os livros Nadando no Escuro e O Quarto de Giovanni
Depois que terminei de ler “Uma Vida Pequena”, eu precisava de uma leitura leve para que minha mente funcionasse melhor. Foi aí que decidi ler “Como Treinar o seu Dragão”1, mas com o próximo em mente, “Nadando no Escuro” de Tomasz Jedrowski.
No livro, o narrador, em um dado momento, diz que os livros são a armadura dele contra a austeridade do mundo real. Não podia deixar de concordar, eu sentia o mesmo.
São nos livros que eu encontro meu refúgio, enquanto a realidade sempre me pareceu cansativa. E, enquanto li, tive mais identificação com o protagonista do que imaginaria.
Ludwik, protagonista do livro, vive na Polônia de 1980, sob o regime da União Soviética. Ser gay era errado, ainda que não houvesse nenhuma lei que proibisse, a situação política na época era um completo entrave pro Ludwik ser quem ele era.
Quando ele decide ler o livro proibido pelo regime "O quarto de Giovanni" do James Baldwin, há um trecho que ecoou profundamente em mim. Ele diz que as palavras e os pensamentos do narrador eram como se curassem um pouco das próprias agonias e angústias dele. Eu me senti da mesma forma, enquanto li o Ludwik ficcional em "Nadando no Escuro", como me senti com David quando li "O Quarto de Giovanni" no ano passado.
O problema era que eu não havia terminado de ler o livro do Baldwin, e essa era outra coisa que eu fiquei decidido a fazer.
Por mais que o livro de Tomasz Jedrowski seja bom, achei ele um tantinho raso na questão da crítica ao regime político. O personagem protagonista constantemente trata o capitalismo como sendo sinônimo de liberdade e felicidade, e retrata o sistema como o único modelo possível dele conseguir ser quem é. E todos nós sabemos que não é bem assim, é mais complexo que isso.
Assim como em “O Quarto de Giovanni” eu inevitavelmente não poderia deixar de pensar que, se algum personagem fosse negro as coisas seriam diferentes. Mas o Baldwin não quis escrever um personagem negro. Coisa que ele já tinha feito durante muito tempo. Por sinal, esse livro foi rejeitado por uma editora na época por não seguir a “cartilha” do que o Baldwin “deveria” escrever, e aí entendi a escolha dele.
Viver é complexo. Viver na polônia em 1980 foi complexo pro Ludwik. Viver sendo gay e não aceitar isso foi complexo pro David. Viver sendo gay e negro é mais complexo ainda.
As pessoas carregam consigo camadas que acrescentam mais complexidade para essa coisa chamada vida. E essa complexidade é intrínseca, é íntima, é identitária. Não dá para retirar.
#5 De mudança (de novo)
Me mudei de novo. De 2020 para cá foram três vezes; com esta, vamos para quatro na contagem. Mas com certeza essa foi a mudança que menos me estressou. Boa parte do processo chato eu não participei (ainda bem), as coisas foram sendo feitas aos poucos durante os últimos meses, o que fez com que todos os meus livros fossem retirados do antigo apartamento bem cedo, e que bom.
Mudança me dá uma sensação de recomeço, de reiniciar, mas isso não significa que eu queira passar por mais mudanças. O lado bom é levar menos tempo para chegar em casa tanto do estágio quanto da faculdade, tá sendo melhor.
No mais, espero demorar para fazer outra, essa me rendeu umas duas semanas sem internet.
#6 O jogo Marvel Rivals
Desde dezembro que eu jogo esse jogo, mas acho que nunca em uma frequência tão intensa quanto no recesso de São João. O competitivo seis contra seis com personagens da Marvel me viciou, e viciou meus amigos também. Foi bom, mas com certeza tá todo mundo um tantinho lelé depois disso.
#7 Academia
Eu sabia que não ir para academia tava me fazendo mal, mas, ao mesmo tempo, não tinha a menor vontade de ir, o que era contraditório, visto como eu frequentava o mesmo ambiente antes.
De novo, a dermatologista foi o motor para minha volta. Ela perguntou se eu praticava algum exercício físico, e eu respondi:
- Parei.
- Quando foi a última vez que foi?
Notei que não fazia a menor ideia.
Como fiquei com a consulta na cabeça, lembrei depois: tinha ido no final de abril, um domingo. Eu não estava bem, e vou tentar explicar o porquê.
A volta: 16 de junho. É complicado voltar, o corpo é quase o mesmo, os músculos também, mas o ritmo durante o treino, a frequência…nada disso é a mesma coisa. Ter uma rotina constante de exercícios e leituras, me garantiam um certo bem estar, mas a vida e suas circunstâncias me colocaram em um ciclo onde essas coisas ficaram de lado.
Enquanto estou na academia, só penso nas repetições das séries, em como respiro. Estou sem telefone, é quase terapêutico. É como se o turbilhão de coisas que passam pela minha cabeça diariamente fossem silenciados por um instante. Sinto o mesmo enquanto leio, por isso ambos me salvam.
Espero manter o ritmo. Para me ajudar, tem um grupo enorme de amigos e conhecidos no gym rats2 que entrei. E sou competitivo.
#8 O podcast “Me conte uma fofoca”
Para dias não tão bons assim, algumas coisas me salvam. Então, acho que eu poderia facilmente dizer que rir do Thiago Theodoro e do Edu Oliveira tenha me salvado.
O podcast “Me conte uma fofoca” está disponível no Youtube em vídeo, e nas plataformas de streaming da vida, vale conferir. Se eu me peguei vendo vídeo antigo com fofocas antigas pra dar um pouquinho de risada da vida, acho que talvez vocês possam gostar também.
#9 PinkPantheress e a mixtape “Fancy That”
Ela é cheia de personalidade, tem uma assinatura inegável, e provavelmente muitos artistas tentarão emular daqui para frente. Agora, “Illegal” é a mais nova trend do momento do TikTok. “Fancy that” da PinkPantheress é algo que o mundo precisa conhecer e ouvir. Procurem saber.
I don’t wanna wait my whole life, to do what’s on my mind3
Pois bem, talvez alguns de vocês estejam pensando que eu necessariamente não tenha vivido feito a dermatologista me sugeriu no começo do texto.
Mas, de uma forma ou de outra, o que listei me manteve vivo. Não fui a festas, nem a perigos noturnos, mas viver também é ler, ouvir música, treinar. Viver é estar confortável consigo mesmo. E você não pode esperar a sua vida toda para fazer aquilo que está na sua mente. Por mais que eu ainda não tenha feito tudo que está na minha mente, espero um dia fazer.
Mas aí são outros quinhentos…
Músicas que embalaram a escrita dessa newsletter:
Jessie Ware: What’s Your Pleasure?, Heaven in Your Arms, Free Yourself, Spotlight.
Janet Jackson: Together Again, All Nite (Don’t Stop), Someone to Call My Lover, All for You.
Addison Rae: Diet Pepsi, Money is everything, Headphones On.
Ariana Grande: yes, and?, past life, twilight zone.
estive um tantinho empolgado para o live action, mas, até então, ainda não o vi.
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in the moment, ariana grande, unreleased.